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Desenvolvimento e preservação são compatíveis e não existe um modelo único para o crescimento da bioeconomia

Relato técnico de Patrícia Machado, Coordenadora de Bioeconomia e Assuntos Florestais da Ibá.

A bioeconomia permite romper o paradigma de que desenvolvimento e conservação ambiental estão em lados opostos, para alcançar a elaboração de um novo modelo produtivo. Para isso, necessária a colaboração público-privado para gerar modelos diferentes de desenvolvimento que incluam tecnologias e conhecimentos adaptados ao cenário local.

A realização do Fórum Mundial de Bioeconomia no Brasil e na região chamada de portal da Amazônia foi um marco importante para demonstrar que não existe apenas uma bioeconomia e que esse conceito está em constante construção e passa sempre pela lente de adaptação aos cenários regionais. Com isso, o fórum passará a ser realizado em diferentes locais, buscando trazer para o debate essas diferentes nuances.

No contexto da Amazônia, foi reiterado que a bioeconomia precisa valorizar as florestas e cada comunidade ao redor de acordo com seu contexto, o que pode variar muito dentro da mesma região. A bioeconomia precisa ser socialmente justa e ambientalmente amigável. Precisa reduzir as desigualdades sociais, favorecendo os serviços ambientais. Não é apenas mitigar as mudanças climáticas, mas também prezar pelo bem estar da comunidade. Precisa vincular os produtos às pessoas.

Desenvolvimento e preservação são sim compatíveis. Os mais de 60 palestrantes reforçaram que temos no Brasil e, principalmente na Amazônia, infinitas possibilidades, sendo fundamental trabalhar a nível regional para respeitar todas as particularidades, incluir as comunidades e buscar políticas e ações específicas.

A organização do fórum adota quatro pilares para explicar o que é o tema: i) A bioeconomia: pessoas, planeta e políticas; ii) bioprodutos ao nosso redor; iii) Lideres globais e o mundo financeiro e iv) Olhando para o futuro. Neste sentido, apresento abaixo alguns dos principais pontos falados nas diversas palestras divididas nos pilares que sustentam o conceito da bioeconomia.


Pilar 1 - Bioeconomia: Pessoas, Planeta e Políticas


Todas as definições de bioeconomia são aceitas desde que considerem como foco os recursos naturais na busca de oportunidades para soluções de problemas a nível local/global, ao mesmo tempo que reforçou a importância do conhecimento tradicional para essa nova economia verde e inclusiva.

A bioeconomia desafia a ser planetário e ser local ao mesmo tempo, pois é uma nova dimensão política que está em discussão uma vez que somos conectados pela natureza. os debatedores reforçaram a importância de ter os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) da ONU como direcionadores desse processo.

A ciência e inovação têm papéis fundamentais nesse futuro e precisam ser colocadas como um importante ator político e econômico.
A bioeconomia circular recorre aos recursos biológicos para a produção de novos produtos, renováveis, recicláveis, com baixa pegada de carbono e que permitem circularidade, menor toxicidades, alta durabilidade e permitem melhores práticas.

É preciso tornar as oportunidades mais rentáveis, criar mais empregos, trabalhar em paisagens mais resilientes. Para isso, necessário definir as próprias estratégias e pilares.

Muitos países já publicaram suas estratégias e políticas relativas à bioeconomia. Outros ainda estão em fase de finalização. Mas, infelizmente, pouco progresso ainda é observado na América Latina.


As entidades/países acima citaram os seguintes desafios no desenvolvimento e implementação dos planos e/ou estratégias:


• Envolver diferentes atores e setores (educação, agricultura, meio ambiente);
• Nivelar os diferentes conceitos de bioeconomia;
• Construir sinergias e consensos;
• Engajamento sobre a necessidade de ter um plano específico para bioeconomia.

No Brasil, além da necessidade de se construir essa estratégia de bioeconomia ainda temos outro desafio que é barrar os desmatamentos ilegais. Com participação de populações tradicionais, o evento trouxe a indígena Puir que reforçou o papel da conservação e respeito aos povos tradicionais. “Falar de bioeconomia não faz sentido se não tiver a garantia dos territórios. Importante defender a Amazônia para ter a bioeconomia tão falada”, disse.


Pilar 2 - Líderes globais e mundo financeiro


Trazendo um olhar econômico para a bioeconomia, a questão do financiamento entra como prioridade e desafio latente. No debate foi reforçado o papel dos grandes financiadores em ajudar na estruturação das estratégias nacionais que incluam biodiversidade, redução de impactos negativos e geração de emprego e renda. Para isso, é necessário reduzir financiamentos a mecanismos que causam impactos negativos e, por outro lado, apoiar aqueles que geram impacto positivo como ativos da biodiversidade, certificação, mercado de carbono, compensação por serviços ambientais e estratégias verde como um todo, são ações urgentes.


É possível também monetizar a biodiversidade e transformar desafios sociais e ambientais em oportunidades. Precisamos impulsionar a agenda de biodiversidade que ainda não tem o destaque que merece. Algumas sugestões citadas: criar uma nova definição para bioeconomia com referência aos impactos positivos à natureza, criar um tipo de classificação para investimentos com impactos positivos à natureza (alto, médio, baixo, neutro), desenvolver metodologias para auxiliar na elaboração de uma estratégia nacional de bioeconomia.


A conexão digital e o acesso facilitado à internet são formas de aproximar atores, abrir mercados, monetizar e preservar a natureza (exemplo: aumentar a visibilidade de comunidades isoladas que ajudam na preservação do meio ambiente, que poderiam receber pela floresta em pé e serviços ecossistêmicos.). Assim como diversas soluções do mundo atual, bioeconomia só tem a ganhar com o trabalho colaborativo.


Nesse processo de construção de uma economia de baixo carbono, consumidores são fundamentais e estão cada vez mais conscientes e interessados dos produtos que consomem. As empresas já estão sendo julgadas pelas suas ações e isso mudará as rotas futuras.

Pilar 3 - Bioprodutos ao nosso redor


A inovação é a base para esse pilar e é apontada como ferramenta importante da bioeconomia. Nesse caminho, é essencial facilitar e impulsionar o desenvolvimento de novos biomateriais.


Todo bioproduto tem um curva de aprendizagem que passa pela escalabilidade, qualidade, durabilidade e custos. Muitos ainda não têm um grande mercado, mas possuem um grande compromisso com a sustentabilidade.


Colaboração entre diferentes atores acelera muito o processo e a entrega de soluções inovadoras para a bioeconomia. Não importa o tamanho dos parceiros, países de origem, o importante é ter ideias inovadoras, propósitos em comum e bem definidos e compromisso com a sustentabilidade. A colaboração também é importante para trazer diferentes atores que têm expertises nas diversas fases da cadeia produtiva.


Consumidores estão mais conscientes e preocupados com a origem da matéria-prima, pegada ecológica, reciclabilidade e produtos mais sustentáveis no geral. Isso tem sido um driver importante para as empresas migrarem suas estratégias e buscarem novos bioprodutos/biomateriais, acessar novos mercados e se diferenciar frente aos concorrentes. Uma ampla comunicação sobre o valor agregado dos bioprodutos será importante nesse processo.


Para concretizar o potencial dos bioprodutos é necessário conhecer a diversidade de espécies. Apesar de toda a riqueza e diversidade da Amazônia, apenas 10% das pesquisas em biodiversidade no Brasil estão nessa região. Desde 2014, em média, uma espécie nova foi descoberta a cada dois dias. Embora existam infinitas possibilidades de novas descobertas, Ainda é um desafio conseguir recursos financeiros para o apoio de pesquisas. Um importante ator que pode impulsionar essa pauta é a FAO, que está preparando um plano estratégico de bioeconomia a ser lançado em 2022.


Outros pontos de destaque do pilar de bioprodutos foi a vida útil dos produtos, ciclo de vida e reciclabilidade química/mecânica. Reciclagem é um componente-chave, precisamos transformar a produção linear em algo que considere o aproveitamento de todos os resíduos das diferentes fases de produção até o produto final. A tecnologia foi novamente apontada como uma importante ferramenta no processode da reciclagem para a produção de novos produtos.

Pilar 4 - Olhando para o futuro


Importante a definição conceitual de bioeconomia, pois a partir dai que serão desenhadas as futuras políticas públicas e os programas. Os princípios que regem o conceito de bioeconomia precisam ser definidos incluindo processos e produtos sustentáveis desde a produção até a parte social. Para isso, é preciso trazer todos os interessados para o discurso e não deixar ninguém de fora, incluindo aqueles que pensam diferente.


A bioeconomia tem que diminuir as desigualdades sociais. Não tem desenvolvimento sem a redução de desigualdades. As políticas públicas precisam acolher os novos modelos que estão sebdo desenhados dentro da bioeconomia. A bioeconomia deve obrigatoriamente ser socialmente justa e ambientalmente amigável, melhorando as condições de vida e bem estar daqueles que estão ao redor.

Ainda é um desafio equilibrar escala e conservação da biodiversidade, mas alguns pontos chaves precisam ser considerados como: Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8, dignidade do trabalho e gênero; conectar centros de pesquisa e universidades para otimização de tempo e recursos nas pesquisas; fortalecer o ambiente de inovação. Ampliar a diversidade de produtos e incluir a reciclagem na cadeia de valor; ter um mapa bem definido de todas as externalidade positivas e negativas geradas; e saber como administrá-las. Três tipos de bioeconomia foram mencionadas:


• Bioeconomia da sócio-biodiversidade: aquela que inclui as comunidades dentro de áreas protegidas, demarcadas ou não. Necessário um conjunto de salvaguardas e ações muito específicas para esses povos.
• Bioeconomia de base florestal: aquela que utiliza matéria-prima que vem das florestas, passando pelas plantas medicinais, do sertão até a borracha. Há um grande desafio, pois existe uma enorme assimetria de informação, na Amazônia, principalmente, e sem dados fidedignos o processo de construção dessa bioeconomia se torna mais complexo.
• Bioeconomia de commodities: com grande tecnologia e diversos potenciais. Mas precisa de atenção para ser o mais sustentável possível.