A agenda de reflorestamento 'inovadora' do Brasil discutida em Davos

Por GUILHERME LEAL / PAULO HARTUNG / ROBERTO WAACK
Na tranquila cidade suíça de Davos, The Magic Mountain, de Thomas Mann, se desenrola quando a breve visita do jovem Hans Castorp a um sanatório se transforma em uma exploração de ideias, intrigas e debates de sete anos. A história acaba se tornando uma metáfora para o isolamento e declínio da Europa antes da Primeira Guerra Mundial.
Desde a publicação do romance no início do século XX, seus temas transcenderam a Europa para refletir um mundo assolado por tensões geopolíticas. Essas tensões são agravadas pela escalada de conflitos internacionais e pelo fracasso repetido das conferências das Nações Unidas em abordar os desafios urgentes do clima e da biodiversidade.
Em meio a esse cenário complexo, as principais figuras econômicas e políticas do mundo estão se reunindo mais uma vez na cidade simbólica de Davos de 20 a 24 de janeiro para o Fórum Econômico Mundial (WEF) de 2025. Único neste evento é a mobilização do setor privado para liderar a agenda baseada em soluções para as crises ambientais e climáticas.
Uma coalizão de líderes dos setores empresarial e financeiro está se juntando à conversa do Brasil, que é o anfitrião da COP30 deste ano no coração da Amazônia. Eles estão promovendo uma das soluções mais estratégicas para alcançar o equilíbrio climático e proteger a natureza: a restauração florestal.
A restauração florestal é amplamente reconhecida como uma das estratégias mais eficazes para remover carbono da atmosfera. A melhoria dos serviços ecossistêmicos como um todo apoia cadeias de suprimentos sustentáveis e cria caminhos para resiliência ambiental e financeira de longo prazo. No entanto, apesar de sua promessa, os projetos de restauração exigem um tempo significativo para amadurecer, e ações imediatas são necessárias para atingir as metas de longo prazo.
A urgência deste trabalho é ressaltada pelos compromissos de líderes globais de tecnologia como Google, Microsoft, Meta e Salesforce, que se comprometeram a comprar até 20 milhões de créditos de remoção de carbono baseados na natureza até 2030. A Apple também dobrou seu Fundo de Restauração para expandir soluções de alta qualidade baseadas na natureza. No entanto, essas empresas levantaram preocupações de que suas metas de zero líquido para 2030 podem estar em risco devido à escassez de créditos disponíveis. Para preencher essa lacuna, os esforços de restauração florestal devem ser escalonados rapidamente. Isso requer maior investimento e o estabelecimento de padrões compartilhados para fortalecer a indústria de restauração de florestas tropicais e garantir resultados oportunos e impactantes. O plantio deve começar agora para gerar os créditos necessários para atingir metas climáticas ambiciosas dentro desse prazo crítico.
Em resposta a esses desafios, a coalizão brasileira presente em Davos desenvolveu uma abordagem baseada em um modelo pré-competitivo integrado para restauração — um que combina mitigação, adaptação climática e estratégias comerciais inovadoras. Seu modelo visa acelerar os esforços de restauração, garantindo o alinhamento com as prioridades ambientais e econômicas, fornecendo um roteiro para soluções de escalonamento no ritmo necessário.
A agenda inovadora do Brasil para restauração é uma resposta a desafios urgentes e um reflexo de seu vasto potencial. Ostentando a maior biodiversidade do mundo, recursos hídricos abundantes, terreno e clima favoráveis, o país é ainda apoiado por sua estrutura institucional, uma sociedade civil organizada e um setor privado ansioso para desenvolver essa nova economia. Estima-se que aproximadamente US$ 528 milhões foram investidos em restauração no Brasil nos últimos 18 meses, de todos os setores financeiros, de conservação e de commodities.
A restauração também está ganhando força além das fronteiras da Amazônia, com a Europa e o Reino Unido reconhecendo-a como um componente-chave de suas estratégias de clima e biodiversidade. Em 2024, a UE se comprometeu a restaurar 20% dos ecossistemas degradados até 2030, e o Reino Unido aumentou os investimentos em reflorestamento rural para aumentar a resiliência climática e a segurança hídrica. A Dinamarca também alocou 15% das terras agrícolas para reflorestamento para reduzir o uso de fertilizantes e proteger a biodiversidade. Embora essas iniciativas marquem passos globais importantes, elas frequentemente enfrentam desafios em escala e integração, particularmente na coordenação das partes interessadas e alinhamento com ecossistemas locais.
Entre as principais inovações em andamento no Brasil está a capacidade de operadores, financiadores e compradores de coordenar em torno de uma agenda de restauração pré-competitiva. Esta estratégia oferece uma solução para navegar pelos desafios de uma indústria promissora, mas exigente, enfatizando a ação coletiva para trazer progresso real.
O impacto da agenda de restauração brasileira é encontrado ao dividir esses esforços em três frentes de ação: o compartilhamento de experiências operacionais, o desenvolvimento de mercados eficazes para produtos de carbono, madeira e biodiversidade (essencial para transformar a restauração em uma classe de ativos viável e garantir retornos de investimento sustentáveis) e a criação de uma agenda institucional focada no avanço de políticas públicas.
Na reunião em Davos, chamada “Colaboração para a Era Inteligente”, os líderes da agenda de restauração florestal pré-competitiva reafirmarão a importância desta iniciativa por meio de novos investimentos e do comprometimento de um grupo diverso de partes interessadas em trabalhar em conjunto. A colaboração intersetorial que acontece no Brasil se estenderá ao restante dos participantes do WEF e ajudará a promover o esforço global coordenado de soluções baseadas na natureza.
A restauração de florestas fornece um farol para a proteção do clima e da biodiversidade – são sistemas da natureza, desenvolvidos ao longo de bilhões de anos – o que pode nos ajudar a retornar a uma era mais próspera e menos turbulenta.
Guilherme Leal é um empresário brasileiro, empreendedor socioambiental e filantropo, cofundador da Natura & Co e da marca de chocolate Dengo, e também é o líder do The B Team.
Paulo Hartung é presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), uma organização líder que representa o setor de árvores plantadas no Brasil.
Roberto Waack é presidente do conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e da Concertação Amazônica, e atua nos conselhos de organizações como Natura & Co, re.green S.A., Marfrig S.A., Wise Plásticos S.A. e WWF Brasil.
Publicado em: https://news.mongabay.com/2025/01/brazils-innovative-reforestation-agenda-discussed-in-davos-commentary/